sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O Tempo, em Raduan Nassar

(...) Que rostos mais coalhados, nossos rostos adolescentes em volta daquela mesa: o pai à cabeceira, o relógio de parede às suas costas, cada palavra sua ponderada pelo pêndulo, e nada naqueles tempos nos distraindo tanto como os sinos graves marcando as horas: "O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo; existe tempo por exemplo, nesta mesa antiga: existiu primeiro uma terra propícia, existiu depois uma árvore secular feita sobretudo de anos sossegados, e existiu finalmente uma prancha nodosa e dura trabalhada pelas mãos de um artesão dia após dia; existe tempo nas cadeiras onde sentamos, nos outros móveis da família, nas paredes da nossa casa, na água que bebemos, na terra que fecunda, na semente que germina, no pão em cima da mesa, nos frutos que colhemos, na massa fértil dos nossos corpos, na luz que nos ilumina, nas coisas que nos passam pela cabeça, no pó que dissemina, assim como em tudo que nos rodeia; um homem tido não é aquele que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os seus favores e não a sua ira; todo equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar e a quantidade de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é; ( ...)

Trecho escolhido do livro
LAVOURA ARCAICA, de RADUAN NASSAR.
Boas informações sobre o autor no site
RELEITURAS.

5 comentários:

Elma Carneiro disse...

Sonia
O tempo.
Que texto riquíssimo e belo. Como é bom ler coisas que nos fazem cada vez melhores.
O valor cultural de uma pessoa é sempre refletido nas suas atitudes, e esse reflexo eu vejo em você e o digo com muita sinceridade.
Beijooo

Elma Carneiro disse...

Quanto a sua postagem anterior, você apresentou um artista que realmente faz arte. Ele pinta, cria o momento, coloca sombras demarcando o ângulo do sol, tem uma bela harmonia de cores e temas agradáveis.
Acredito que a arte deve ser feita para nosso deleite e paz.
O artista (plástico) não precisa expor pontos de vista críticos ou denunciadores, o mundo está repleto de violências e absurdos e não precisamos apelar para esses temas reproduzindo cenas de horrores - diferente das outras artes como o cinema, a literatura, teatro e mais outras.
O seu compromisso é com o belo e o novo.
No Espaço das Artes apresento uma postagem aditada ontem sobre “ O Artista e sua função" num texto de Fernando Pessoa.
Beijoo

Maria Augusta disse...

Acho que o tempo pode ser nosso amigo ou inimigo, dependendo do uso que fazemos dele. Legal esta visão do tempo dada neste texto, que diz que cada objeto que nos cerca tem sua porção de tempo integrado nele, em função das transformações que sofreu.
Beijos e um bom fim de semana.

Phivos Nicolaides disse...

Ola Sonia. Este texto é muito bom e interessante. Beijos.

lis disse...

Oi Sonia
Quanta verdade e beleza nesse texto , espcialmente quando ele diz que " rico é o homem que aprendeu, piedoso e humilde a conviver com o tempo, aproximando -se dele com ternura ..." , e con tinua falando em não contrriar, não se rebelar , estar atento ao seu fluxo e brindar com sabedoria par poder receber o que ele nos dá e sempr se confrontar com a verdade.
Maravilhoso e perfeito pra refletirmos sobre essa correria em que vivemos.
Meus abraços

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