quarta-feira, 29 de abril de 2009

Efemeridade das Mídias

Achei muito interessante e transcrevo aqui este artigo "Sobre a efemeridade das mídias", de Umberto Eco, publicado em 26/04/2009 no UOL Notícias Blogs e Colunas.


"No encerramento da Escola para Livreiros Umberto e Elisabetta Mauri, em Veneza, falamos, entre outras coisas, sobre a efemeridade dos suportes da informação. Foram suportes da informação escrita a estela egípcia, a tábua de argila, o papiro, o pergaminho e, evidentemente, o livro impresso. Este último, até agora, demonstrou que sobrevive bem por 500 anos, mas só quando se trata de livros feitos de papel de trapos. A partir de meados do século 19 passou-se ao papel de polpa de madeira, e parece que este tem uma vida máxima de 70 anos (com efeito, basta consultar jornais ou livros dos anos 1940 para ver como muitos deles se desfazem ao ser folheados).

Portanto, há muito tempo se realizam congressos e se estudam meios diferentes para salvar todos os livros que abarrotam nossas bibliotecas: um dos que têm maior êxito (mas quase impossível de realizar para todos os livros existentes) é escanear todas as páginas e copiá-las para um suporte eletrônico.

Mas aqui surge outro problema: todos os suportes para a transmissão e conservação de informações, da foto ao filme cinematográfico, do disco à memória USB que usamos no computador, são mais perecíveis que o livro. Isso fica muito claro com alguns deles: nas velhas fitas cassete, pouco tempo depois a fita se enrolava toda, tentávamos desemaranhá-la enfiando um lápis no carretel, geralmente com resultado nulo; as fitas de vídeo perdem as cores e a definição com facilidade, e se as usarmos para estudar, rebobinando-as e avançando com frequência, danificam-se ainda mais cedo.

Tivemos tempo suficiente para ver quanto podia durar um disco de vinil sem ficar riscado demais, mas não para verificar quanto dura um CD-ROM, que, saudado como a invenção que substituiria o livro, saiu rapidamente do mercado porque podíamos acessar online os mesmos conteúdos por um custo muito menor. Não sabemos quanto vai durar um filme em DVD, sabemos somente que às vezes começa a nos dar problemas quando o vemos muito. E igualmente não tivemos tempo material para experimentar quanto poderiam durar os discos flexíveis de computador: antes de podermos descobrir foram substituídos pelos CDs, e estes pelos discos regraváveis, e estes pelos "pen drives".

Com o desaparecimento dos diversos suportes também desapareceram os computadores capazes de lê-los (creio que ninguém mais tem em casa um computador com leitor de disco flexível), e se alguém não copiou no suporte sucessivo tudo o que tinha no anterior (e assim por diante, supostamente durante toda a vida, a cada dois ou três anos), o perdeu irremediavelmente (a menos que conserve no sótão uma dúzia de computadores obsoletos, um para cada suporte desaparecido).

Portanto, sabemos que todos os suportes mecânicos, elétricos e eletrônicos são rapidamente perecíveis, ou não sabemos quanto duram e provavelmente nunca chegaremos a saber. Enfim, basta um pico de tensão, um raio no jardim ou qualquer outro acontecimento muito mais banal para desmagnetizar uma memória. Se houvesse um apagão bastante longo não poderíamos usar nenhuma memória eletrônica.

Mesmo tendo gravado em meu computador todo o "Quixote", não o poderia ler à luz de uma vela, em uma rede, em um barco, na banheira, enquanto um livro me permite fazê-lo nas piores condições. E se o computador ou o e-book caírem do quinto andar estarei matematicamente seguro de que perdi tudo, enquanto se cair um livro no máximo se desencadernará completamente.
Os suportes modernos parecem criados mais para a difusão da informação do que para sua conservação. O livro, por sua vez, foi o principal instrumento da difusão (pense no papel que desempenhou a Bíblia impressa na Reforma protestante), mas ao mesmo tempo também da conservação.

É possível que dentro de alguns séculos a única forma de ter notícias sobre o passado, quando todos os suportes eletrônicos tiverem sido desmagnetizados, continue sendo um belo incunábulo. E, dentre os livros modernos, os únicos sobreviventes serão os feitos de papel de alta qualidade, ou os feitos de papel livre de ácidos, que muitas editoras hoje oferecem.

Não sou um conservador reacionário. Em um disco rígido portátil de 250 gigabytes gravei as maiores obras-primas da literatura universal e da história da filosofia: é muito mais cômodo encontrar no disco rígido em poucos segundos uma frase de Dante ou da "Summa Theologica" do que levantar-se e ir buscar um volume pesado em estantes muito altas. Mas estou feliz porque esses livros continuam em minha biblioteca, uma garantia da memória para quando os instrumentos eletrônicos entrarem em pane."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves




Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. Entre seus principais livros estão "O Nome da Rosa" e o "Pêndulo de Foucault
".

10 comentários:

Ví Leardi disse...

Sonia querida...com a quantidade de informções diárias não tinha percebido que vc estava de volta com este blog....De repente passei a ver seus comentários mais frequentes no Varal..Também não tenho participado do ecological day por falta de tempo,vamos ver se este mês consigo...Adorei sua ilha...o difícil é saber o que levar!!!
Um grande beijo Vi

Jorge Pinheiro disse...

200% DE ACORDO!

Maria Augusta disse...

Também concordo, estes novos suportes são práticos para a consulta, mas para o armazenamento a longo prazo não, pois se deterioram ou se tornam obsoletos. Tenho arquivos em disquetes, mas os computadores atuais nem tem mais leitores para eles, é preciso ir transferindo tudo.
Um beijão.

OldLady Of The Hills disse...

Once again the translation is kind of screwed up...lol...But, I get the idea abnd I think he is right! All the "eletronics" may not ultimately be as good as the Original Source Material....!
Amazing, isn't it?

rauf disse...

i got my first computer about 14 years ago, and added a CD writer two years later. All the CDs made 12 years ago are still working fine. i keep them in paper covers to absorb humidity There are ways to preserve but they are not time tested. Books are time tested. But the tragedy comes in preserving music. i thought CD is the end of my problems. Though most of my CDs bought in the 80s are still fine but some important ones are damaged. Portable hard disks, pen drives and memory cards are highly unreliable. Transfering my entire collection when ever new technology appears is nearly impossible. There is no permanent and reliable solution.

Ken Mac disse...

hi Sonia!

claude disse...

Sorry! I know this man but not his
works.

claude disse...

Sorry ! I know this man but not his works. I know and like the movie "O Nome da Rosa".

jugioli disse...

Sonia, beleza de texto, concordo
plenamente com Umberto Eco, aliás adoro tudo que ele escreve.

bjs.

@dis-cursos

jugioli disse...

Sonia, beleza de texto, concordo
plenamente com Umberto Eco, aliás adoro tudo que ele escreve.

bjs.

@dis-cursos

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