quinta-feira, 5 de março de 2009

"Debaixo da Minha Pele - Primeiro Volume da Minha Autobiografia, por Doris Lessing"



Procurando nas minhas estantes pelos livros de Doris Lessing para fazer este post, me dei conta dos muitos livros que li desta autora tão talentosa e longeva! Gosto muito de Doris Lessing, mas tenho preferência por aqueles de temática intimista e de carácter quase autobiográfico e também dos que ela escreveu sob o pseudônimo de Jane Somers, que são "O Diário de uma Boa Vizinha" e "Se Os Velhos Pudessem". Já não sou atraída pelos livros da série Canopus, que são narrativas em clima de ficção científica, como por exemplo o primeiro romance da série, Shikasta.

Há uma frase dela nesta primeira biografia, "Debaixo da Minha Pele", com a qual me identifiquei muito quando li: "Eu lia, lia, não parava de ler. Estava lendo para salvar minha vida.". Sou uma leitora apaixonada desde criança e uma de minhas primeiras leituras foram os deliciosos livros da coleção infantil de Monteiro Lobato. Reli mesmo depois de adulta muitos deles, que estão até hoje em lugar de destaque na minha estante. Assim, quando gosto de um escritor eu procuro ler tudo o que ele escreveu, conhecer a sua biografia, ler ensaios, artigos, ver fotos.... mas nem sempre consigo...
No momento estou lendo "Andando na Sombra – Segundo Volume da Minha Autobiografia" (1997). Mas os trechos que estou destacando aqui são do livro "Debaixo da Minha Pele – Primeiro Volume da Minha Autobiografia" (1994). Recortei trechos em que ela reflete sobre o sentido e as dificuldades ao escrever uma autobiografia, do trabalho da memória e do esquecimento, da verdade que deve ou não ser revelada e da maturidade. No final deste post está a relação dos livros que já li de Doris Lessing e os que ela escreveu sob o pseudônimo de Jane Somers, que gostei muito!


"Impossível sentar para escrever sobre si sem sofrer o assédio de questões retóricas da mais tediosa natureza. Nossa velha amiga, a Verdade, é a primeira. A verdade... quanto contar, quanto ocultar? Esse, por consenso, parece ser o primeiro problema do autocronista e, de uma forma ou de outra, nos aguarda o opróbio. Contar a verdade a respeito de si é uma coisa, se você puder, mas e quanto aos outros?

Quanto mais envelheço, mais segredos tenho, que jamais serão revelados, e isso, eu sei, é uma situação comum entre as pessoas de minha idade. Além do mais, para que essa ênfase toda em beijar e logo contar? Beijos é o que menos importa.

Dizer a verdade ou não, e como dosá-la, é um problema menor do que o da mudança de perspectivas, porque enxergamos a vida de modo diferente em diferentes fases; é como escalar uma montanha enquanto a paisagem vai mudando a cada curva da trilha. Tivesse eu escrito este livro aos trinta, teria sido um documento bem combativo. Aos quarenta, um gemido de desespero e culpa: ai meu Deus, como é que eu pude fazer isso ou aquilo? Agora olho para aquela criança, aquela moça, aquela mulher jovem, com uma curiosidade cada vez mais distanciada. Pode notar que os velhos costumam espiar seu passado. Por que? - eles se perguntam. Como foi que aconteceu? Tento ver os eus que fui anteriormente como alguém os veria, depois me coloco de volta dentro de um deles e, imediatamente, me vejo submersa no choque ardoroso da emoção, justificado por pensamentos e idéias que agora julgo errados. Além do que, a própria paisagem é traiçoeira. Assim que você começa a escrever, a pergunta se interpõe, insistente. Por que motivo você se lembra disso e não daquilo? Por que se lembra mais dos detalhes de uma determinada semana, de um mês transcorrido há muitos anos e, depois, negrume total, vazio? Como sabe que aquilo de que se lembra é mais importante do que aquilo de que não se lembra?

A natureza sabe o que faz, quando receita amnésia para os primeiros anos da infância.
(...) Ou haverá alguma coisa inerente em nós que nos predispõe para a dor e para as lembranças da dor, de tal forma que os dias ou até mesmo semanas de momentos agradáveis se mostram menos convidativos que a dor? Essa pergunta tem uma relevância que supera o nível pessoal.

O motivo principal, a verdadeira razão de uma autobiografia ser necessariamente inverídica é a experiência subjetiva que temos do tempo. O livro é escrito, do primeiro ao último capítulo, em progressão regular através dos anos. Mesmo que se embarque em estratagemas de flash-back ou à la Tristam Shandy, não há maneira de transmitir, com palavras, a diferença entre o tempo de uma criança e o tempo de um adulto - e os diferentes ritmos do tempo nos vários estágios da vida adulta. Um ano antes dos trinta é um ano muito diferente do ano de um sexagenário.
Todo romance é uma história, mas a vida não, a vida é mais um esparrame de incidentes.

A maturidade talvez seja tudo, é ela que vai nos amaciando até chegarmos a um sacudir de ombros e a um sorriso, mas era a própria aspereza crua da época que movia os acontecimentos.

Biografia: A escritora britânica Doris Lessing, vencedora do Nobel de Literatura de 2007, completará 90 anos em 22 de outubro deste ano. Filha de britânicos, Doris Lessing nasceu na Pérsia, atual Irã, e cresceu na Rodésia do Sul, antiga colônia britânica que conquistou a independência em 1980 e mudou de nome para Zimbábue. Em 1949, passou a viver na Inglaterra e, a partir de então, iniciou sua carreira na literatura. Doris Lessing é uma escritora que levou boa parte de sua experiência de vida na África a suas obras. Assim fez em seu primeiro romance, A Canção da Relva (The Grass Is Singing), em 1950, que já na estréia lhe garantiu reconhecimento mundial. Nesse romance, examina a relação entre a esposa branca de um fazendeiro e seu empregado negro. Em 1962, publicou o romance que a tornou famosa, O Carnê Dourado (The Golden Notebook), e depois consolidou sua fama com uma série de títulos de temática africana. Os temas abordados por Doris Lessing variam extensamente, passando pelo exame das tensões inter-raciais, a política racial, a violência contra as crianças, os movimentos feministas e a exploração do espaço exterior.

Livros de Doris Lessing:

Canção da Relva (1950) ( The Grass is Singing)
Sabores do Exílio (1954) (The Sun Between Their Feet)
O Carnê Dourado (1962) (The Golden Notebook)
O Sonho de Marta Quest (1964) (Martha Quest)
Um Casamento sem Amor (1964) (A Proper Marriage)
O Eco Distante da Tormenta (1964) (A Ripple From The Storm)
Exilada em Seu País (1965) ( Landlocked)
A Cidade de Quatro Portas (1969) (The Four-Gated City)
O Verão antes da Queda (1973) (The Summer before The Dark)
Memórias de um Sobrevivente (1974) (The Memoirs of a Survivor)
Shikasta (1979) (Shikasta)
Com o pseudônimo de Jane Somers,
O Diário de uma Boa Vizinha (1983) (The Diaries of Jane Somers)
Se Os Velhos Pudessem (1983) (If The Olds Could...)
O Quinto Filho (1988) (The Fifth Child)
Debaixo da Minha Pele – Primeiro Volume da Minha Autobiografia -
(1994) (Under My Skin: Volume One of My Autobiography, to 1949 )
Amor de Novo (1995) (Love, Again)
Andando na Sombra: Segundo Volume da Minha Autobiografia (1997) (Walking in the Shade: Volume Two of My Autobiography 1949 to 1962) e As Avós (2003) (The Grandmothers)

Doris Lessing in English (Wikipedia)

Under My Skin: Volume One of My Autobiography, to 1949.

Clique nos textos em azul para ser direcionado para outra página.

10 comentários:

Elma Carneiro disse...

Sonia
Gostei muito de ler sobre Doris Lessing, e vou confessar que não sou uma boa leitora e admiro muito quem lê assim como você. Sua riqueza é imensa e isso só pode fazer uma pessoa mais feliz quando ela tem oportunidades de viver muitos e muitos mundos sob várias linguagens e visões.
Lí esse trecho em que ela reflete sobre o sentido e as dificuldades ao escrever uma autobiografia, e parei um pouco nessas frases que me tocou profundamente:

___Como sabe que aquilo de que se lembra é mais importante do que aquilo de que não se lembra?

___Quanto mais envelheço, mais segredos tenho, que jamais serão revelados, e isso, eu sei, é uma situação comum entre as pessoas de minha idade.

___ A verdade... quanto contar, quanto ocultar?

___Nossa velha amiga, a Verdade



Lindo!!! lí de um só fôlego.
Adorei meu passeio aqui nessa biblioteca de sabedoria. Obrigada.
Beijos.

OldLady Of The Hills disse...

It is an odd thing Sonia, but the "translator" for this post is kind of strange and not too accurate. So, I have had a hard time trying to decipher what certain phrases mean....I am afraid I didn't too well....lol!

I admire Doris Lessing tremendously, and I love that you have so very many of her books. Obciously you admire here VERY VERY Much!
I went to Wikipedia and learned much about her I did not know.
Thank you my dear, for this fascinating post on such an important writer!

Unknown disse...

Muito interessantes a vida e as obras de Doris, e também muito simpática nas fotos!

O post está muito bonito mãe, parabéns!!

Achei curiosa a parte em que ela escreve "Tento ver os eus que fui anteriormente como alguém os veria, depois me coloco de volta dentro de um deles e, imediatamente, me vejo submersa no choque ardoroso da emoção, justificado por pensamentos e idéias que agora julgo errados".

As circunstâncias de cada tempo de nossa vida influenciam as nossas atitudes...e definem o nosso "eu" de cada época...é pra refletir mesmo...rs

Beijooooooooo,

Sô.

Merisi disse...

Sonia,
I found your new link over at Freefalling in Australia and simply had to sneak a peak!
Welcome back to the blog world,
I am very happy about that.

In your header picture is a book titled "Timbuktu" - is this Paul Auster's novel? I love this book!

Pietro Brosio disse...

Sonia, with the help of Google translator it's much easier to enjoy this beautiful and very interesting post of yours.
Congratulations on the new nice blog!

Cristiane Marino disse...

Sonia!

Excelente texto, não conhecia a autora, e adorei conhecer um pouco do trabalho dela.
Obrigada por compartilhar!!!

beijos

Anônimo disse...

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Try My Birds Blog

jugioli disse...

Sonia, não conheço todas as obras desta incrível autora, e fiquei muito curiosa com os trechos que voce destacou. Vou anotar.

Obrigado pelas indicações. Lindo post,

JU

Anônimo disse...

Well, I did return and I did read the post in English using the translator. Thanks for telling me.

Maria Augusta disse...

Sonia, muito completo este post sobre esta grande escritora, fiquei sabendo muito sobre ela, como o fato de ter vivido em vários paises com culturas bem diferentes, o que certamente enriqueceu seu universo e o de seus livros. O trecho que você mostrou sobre as dificuldades na escrita da biografia também é muito interessante.
Comprei o "Quator de Alexandria", e comecei a leitura, estou gostando muito.
Um beijo e bom fim de semana.

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